Por Iane Parente, Saulo Luckas e William Santos
Há mais de 20 anos os programas policiais fazem parte do dia a dia de milhares de fortalezenses. Alguns são líderes de audiência, principalmente no horário do almoço. Para se ter uma ideia, de acordo com o Ibope, o programa de maior público da capital cearense, o Barra Pesada, atinge uma média de 14.7 pontos de audiência, com picos de 19.8 pontos, no horário de 11h50 às 13h40, de segunda a sexta-feira.
O sucesso, no entanto, não livra os programas de sofrerem críticas a respeito de sua conduta ética ao promoverem, em suas coberturas, supostas contribuições à banalização da violência ou ao desenvolvimento da chamada “cultura do medo”.
Igor Monteiro, pesquisador do Laboratório de Estudos da Violência (LEV) da Universidade Federal do Ceará (UFC), acredita que não se deve responsabilizar os meios de comunicação, no sentido de demonizá-los, por apreciações equivocadas. “Há leituras que mostram que essa exposição causa efeitos críticos: eu estou mostrando o que de fato acontece. Por exemplo, uma mazela que precisa ser observada pelo poder púbico, que está próxima da gente e que os outros cidadãos também precisam observar. Tem outra leitura que vai dizer: é espetacularização. E de fato, é. Promove imbecilização”, diferencia.
William Santos conversa com Nonato Albuquerque |
As polêmicas em torno das coberturas policiais ganham peso também nas discussões a respeito das políticas públicas de combate à violência. O discurso dos programas, em muitos momentos, esquece o princípio da busca pela objetividade, propondo e cobrando medidas de combate à violência que sugerem o desrespeito aos Direitos Humanos dos criminosos.
Outras vezes, é a idéia de aumentar o policiamento da cidade que fica evidente, sem lançar questionamentos quanto à preparação e atuação dos policiais, sem propor outros caminhos para o combate à violência que não sejam por meio da força.
E qual é o porquê de tanta audiência?
Igor Monteiro acredita que há uma ambigüidade bastante forte quando buscamos entender os motivos pelos quais a violência tem tanto ibope na sociedade. “Você tem ali a difusão de imagens de morte, de crime, uma total profanação do corpo, mostrado numa estética da espetacularização, do choque. Isso pode arrebatar, mas ao mesmo tempo, quando você tem a possibilidade do sujeito falar sobre o que está acontecendo, aquilo ali vira um espaço que é apropriado por ele. Ele meio que denuncia”, analisa.
O âncora do Barra Pesada, por sua vez, aponta a presente crise ética e moral como motivo do forte interesse da sociedade por jornais policiais. Para Nonato, essa “crise que gera degradação, violência, insegurança e caos” tem sido o foco da mídia por representar a cerne das discussões sociais. A maneira como essa temática vem sendo abordada tem levantado questionamentos acerca de sua contribuição à banalização da violência. "Se contribui ou não, essa é uma discussão tão antiga e vai levar tempo até que a sociedade possa imprimir um outro rumo, no sentido de uma evolução muito mais útil. Eu acho que nós somos espelhos de um momento, quando a sociedade tiver uma geração muito mais contributiva em termos de prática, de moral, nós também seremos espelhos desse momento”, pondera.
O estereótipo do “mau elemento”: a classe social influencia?
Uma das críticas feitas à responsabilidade ética dos noticiários policiais envolve o modo como diferenciam as abordagens dos crimes cometidos por indivíduos de classe baixa e indivíduos de classes abastadas. O argumento usado é de que há um desrespeito aos Direitos Humanos quando os programas revelam o nome completo dos acusados e expõem sua imagem, intitulando-os como culpados mesmo sem terem ainda sido julgados.
Sobre o assunto, Nonato lamenta quando percebe fontes nas matérias do Barra que evidenciam em suas afirmações que a pobreza é o único foco da violência. “De ladrão, Brasília está cheia”, costuma dizer. “Há uma desinformação ao achar que [as pessoas de classe baixa] são todas criadas para o mal, quando na verdade todas são vítimas da própria sociedade”, opina.
Igor Monteiro considera que o bombardeamento de informações acaba influenciando as pessoas na criação de certos imaginários. “Não resta dúvida que, quando você localiza constantemente na mídia os fenômenos violentos em determinados bairros, esses bairros passam a ser estigmatizados”, explica. Mas o pesquisador reconhece outra postura que também é tomada pelos veículos de comunicação. “Se eles [os moradores] também têm lugar na mídia, ela contribui para esse processo de contra-estigmatização. Quando ela passa a mostrar as ações feitas nesses lugares, ela também pode contribuir para diluir essa imagem do estigmatizado”, diz ele, que reconhece nessa possibilidade uma forma da mídia combater a violência.
Mas afinal, a mídia pode contribuir no combate à violência?
O jornalista Nonato Albuquerque acredita que os noticiários policiais podem, sim, contribuir no combate à violência, “quando dão a oportunidade para que o âncora tenha a liberdade de analisar um fato e mostrar o lado correto do exercício do valor da vida”. Segundo ele, para evitar que haja a propagação da cultura do medo, a mídia deve evitar “o sensacionalismo, a falta de ética, dentro dos princípios que a gente aprende até dentro do curso [superior de Jornalismo]. Quando a gente pensa em argumentar só pra ter audiência, a gente perde o sentido do valor das coisas”, opina.
Já Igor Monteiro considera que a Comunicação pode contribuir no combate à violência no sentido de propor visibilidade. “Eu acho que talvez essa seja a principal ação que poderia ser tomada pela mídia. Estabelecer uma equidade de espaços. Porque já que ela promove o espaço para que se expresse ou para que se torne visível um problema, uma falta, que ela também abra espaços. Eu acho que isso vem ocorrendo, para mobilizações, articulações, agenciamentos, para ações coletivas que também trabalham no sentido de outra lógica, que constroem uma outra noção de espaço, de um espaço não-violento”, afirma.
Nonato Albuquerque não vê alternativas para combater a violência que não sejam a educação e o trabalho. Para que a sociedade seja mais pacífica, o poder público deve atentar para estes aspectos. “Se derem para as escolas os recursos suficientes, os meios, a capacitação profissional, nós não teremos tantos ‘Barras Pesadas’”, aposta o jornalista.