Por uma inclusão acessível - Parte 1

Leia aqui a primeira parte de nossas matérias que falam sobre Acessibilidade Digital, o tema da primeira reportagem é idosos.

Confira a cobertura de nossa visita ao Pirambu Digital

A Liga Experimental à visita a cooperativa Pirambu Digital. Confira como foi essa experiência.

Consciência Seletiva

O que realmente acontece? As pessoas estão realizando a coleta seletiva? O governo possui alguma obrigação relacionada a separação de resíduos? E quais são projeto de Fortaleza que participam da causa?

A ação Palavras de Liberdade!

Conheça mais sobre a ação Palavras de Liberdade, desenvolvida pela Liga Experimental de Comunicação.

Archive for agosto 2011

Amanda e Monick


Recebemos várias mensagens solicitando a postagem do curta-metragem que foi exibido pela ativista Paula Costa, do Grupo de Resistência Flor de Mandacaru, durante a mesa redonda do II Ciclo do Palavras de Liberdade, sobre Diversidade Sexual e Comunicação.          



Aqui você confere a versão completa do filme que trata da vida de duas travestis do sertão paraibano. Histórias bem diferentes, que acontecem em paralelo, mas tem em comum a luta para vencer o preconceito.



Amanda e Monick (2008)
Curta-Metragem
Direção: André da Costa Pinto
 
Confira aqui uma resenha sobre o filme.

Confira aqui uma entrevista com o diretor do filme.






A Liga visita a ONG Fábrica de Imagens

O sábado (6) amanhece e três estudantes do curso de Audiovisual oferecido pela Fábrica de Imagens vão à sede da ONG para compartilhar suas experiências na manhã de formação com a Liga Experimental de Comunicação. Gleice Kelly Silva, Tamyres Marques e Jonas Lima frequentam a Fábrica, como é tratada a ONG, há três meses. “Essa é uma oportunidade de mudar as ideias”. É assim que Jonas vê o curso que a organização oferece.

Além das aulas técnicas, os três alunos participam de ações educativas em cidadania e gênero, uma das marcas da ONG. “É esso o nosso diferencial: há formação humana”, aponta Taiane de Lima. “Eu gosto de estar bem informado”, afirma o garoto. Ele conta que viu no curso de Audiovisual uma oportunidade de cultivar o gosto que sempre teve por informática. “Eu quero poder transformar um vídeo em algo que tenha impacto”.

Por curiosidade, como Gleice Kelly, ou por vontade de aprender mais, os três jovens entraram no mundo das produções audiovisuais e descobriram também as discussões acerca da sexualidade e da diversidade de gêneros. “Eu notei que era um curso diferente, mas gosto de conhecer e debater”, diz Tamyres Marques “Trabalhar a sexualidade é estranho e interessante ao mesmo tempo, porque é algo que não é trabalhado no nosso dia a dia”, conta Jonas


PRECONCEITO POR NÃO TER PRECONCEITOS

O desconhecimento não é a única dificuldade que surge quando o assunto é gêneros. A situação é comum para quem busca derrubar a discriminação, e, mesmo com as discussões sobre o tema na Fábrica, ainda há barreiras para levar o aprendizado para o mundo real. “As pessoas pensam que, porque eu não tenho preconceitos, sou lésbica”, conta Tamyres Marques


Jonas também já passou pela mesma situação, mas dentro da própria família: “Meu pai já me perguntou se eu sou gay, e eu respondi que não”. Ele conta que as pessoas ainda o olham com estranhamento por participar das formações, mas que isso o estimula a continuar no curso. “Quanto mais as pessoas desconhecem, mais me dá prazer em saber e poder explicar o que é certo”.

DIVERSIDADE DIVERSA

Um dos aprendizados da formação oferecida pela Fábrica é o conhecimento de que a homossexualidade é diversa. “Eles não são iguais, como ninguém é”, constata J. Dentro do movimento homoafetivo existe uma diversidade grande de pessoas. A ideia — que também guia os trabalhos da Liga no segundo ciclo do Palavras de Liberdade —, apesar de ser visível, ainda não é levada em conta. “As diferenças são simples, mas passam despercebidas”, explica o garoto.

O reconhecimento da diversidade é uma das bandeiras do movimento homoafetivo, e por isso a sua sigla, LGBTT(Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais), deixa clara a diferenciação que há dentro de um mesmo grupo. Há pessoas com características próprias, e não um um grupo homogêneo. “Não basta achar que eles são iguais. Antes de tudo, é preciso especificar quem é quem para respeitar”, afirma Tamyres Marques.

Confira mais fotos da nossa visita através do deste link.

"Basta você aceitar e respeitar a condição do outro"

M. V., tem 21 anos e é heterossexual. Confira a entrevista que ele nos concedeu sobre como encara a questão da diversidade sexual e como é a sua convivência com pessoas de condições sexuais diferentes da sua.

O que você pensa a respeito de ter amizades de outra condição sexual?
A princípio eu achei uma coisa muito estranha. Claro, como toda coisa nova, a gente tem um certo preconceito, mas depois eu fui vendo que não tinha nada de mais, que cada um escolhe o que quer. Atualmente, eu não vejo nenhum problema. Já tive muitas barreiras com pessoas de outras orientações, mas atualmente eu respeito pra caramba, e eu acho que tem de ser assim.

Você tem muitos amigos homossexuais e/ou bissexuais?
Eu não tenho muitos, mas e posso dizer que alguns que são significativos. Não que eles sejam os meus melhores amigos, mas têm uma importância. Também não são aqueles que eu não falo e tal. Eu realmente tenho convivência normal.

"mas depois eu fui vendo que não tinha nada de mais, que cada um escolhe o que quer"

E como é a sua relação com eles?
É uma relação bem tranquila. Um chegou pra mim e admitiu. Na verdade, eu não esperava que ele fosse. Ele chegou pra mim e falou que era bissexual. Eu achei bem estranho na hora, mas eu vi que a nossa amizade era uma coisa muito maior e que isso não ia interferir em nada. Claro que eu achei estranho, mas isso acabou não
atrapalhando. Porque eu acredito que, se ele me respeitar, se ele não forçar a barra, porque ele sabe da minha orientação, se ele respeitar a minha orientação, eu respeito a dele também.

E você já chegou a sofrer algum tipo de preconceito por ter amigos homossexuais e andar com eles?
Formalmente não, mas claro que sempre tem algumas. Até porque os amigos que eu tenho, homossexuais e bissexuais, são discretos. Talvez se as pessoas soubessem que eles são realmente e eles se assumissem, eu acho que com certeza eles sofreriam algum preconceito e, por tabela, eu também sofreria. Mas eu não cheguei a sofrer preconceitos muito fortes por ter eles como amigos.

"Ele chegou pra mim e falou que era bissexual. Eu achei bem estranho na hora, mas eu vi que a nossa amizade era uma coisa muito maior e que isso não ia interferir em nada"

Por que você acha que existe esse tipo de preconceito com a pessoa que tem um amigo com outra condição sexual?
Na lógica de algumas pessoas, se você é amigo, você também é um deles. Nem sempre é assim, claro. É como eu já disse: basta você aceitar e respeitar a condição do outro. Você aceitar não quer dizer que vai aderir. São duas coisas completamente diferentes. Uma coisa é você saber conviver, saber respeitar, e outra coisa é você ter que aderir, e uma coisa não necessariamente leva à outra.

O que você acha do que as pessoas falam pejorativamente?
Pra mim, até certo ponto, depende. Quando tem um teor ofensivo, até eu me sinto um pouco incomodado. Mas quando são piadas que não têm nenhum teor ofensivo, eu levo numa boa. Se fosse comigo, eu levaria numa boa. Mas, quando a pessoa se sente ofendida, claro que ela tem o direito de reclamar.

"basta você aceitar e respeitar a condição do outro. Você aceitar não quer dizer que vai aderir"

E como você vê a questão da homofobia?
Eu vejo como uma coisa a ser superada. Eu vejo como uma tendência cada vez menor. A gente vê muita coisa violenta acontecendo ainda, mas eu sinto que, tudo bem, eu tenho apenas 21 anos, mas, por exemplo, desde a minha adolescência, vem regredindo muito. É o que a gente ouve falar. E eu acredito muito na tendência que cada um vai saber respeitar a condição do outro. Basta a gente olhar pra trás, pros
nossos antepassados, e ver que isso, a princípio, era uma coisa inaceitável e hoje, se comparado com antes, é bem mais aceitável.

Inscreva-se já: Debate "Diversidade Sexual e Comunicação"

Não deixe de participar do 2º Ciclo da ação Palavras de Liberdade. Estaremos discutindo no dia 10 de agosto, às 18hrs, a temática Diversidade Sexual e Comunicação. A mesa ocorre no Auditório Raquel de Queiroz (bloco da Psicologia - CH2) e contará com a participação do antropólo e professor da Universidade Federal do Ceará, Marcelo Natividade, do psicólogo e diretor da ONG Fábrica de Imagens, Marcos Rocha e da participante do Grupo de Resistência Florr de Mandacaru, Paula Costa.
Clique aqui para acessar o formulário de inscrição

GRITAR JUNTO PARA SER OUVIDO

Após a união estável entre homossexuais ser aprovada em maio pelo Supremo Tribunal Federal (STF), e das declarações homofóbicas realizadas em rede nacional pelo deputado Jair Bolsonaro, o tema da luta LGBTT voltou a ser discutido pelo País.
Criado em 1975 como movimento homossexual, o agora movimento LGBTT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais - veja abaixo a explicação sobre a sigla) é um grupo político organizado que busca garantir o direito à livre expressão da orientação sexual, combater a discriminação e promover a cidadania igualitária para todos os membros da sociedade (confira também um pouco sobre a PLC 122 no box abaixo).
“A Constituição Brasileira diz que todos são iguais perante a lei, mas você percebe que existem cidadãos de 1ª classe e de 2ª classe”, diz o diretor do Grupo de Resistência Asa Branca (Grab), Adriano Caetano. A luta LGBTT é para que todos tenham os mesmos direitos, sem ter a obrigação de seguir a heteronormatividade, que, na definição de Cathy J. Cohen, é o estabelecimento de práticas e a instituições "que legitimam e privilegiam a heterossexualidade e relacionamentos heterossexuais como fundamentais e 'naturais' dentro da sociedade”.

A Identidade LGBTT

A defesa da diversidade LGBTT está ligada à identidade sexual pela qual eles se reconhecem. Eles lutam pelo reconhecimento da pluralidade e das várias experiências de sexualidade existentes.
A comunidade homossexual não é formada por apenas um tipo de identidade. Ela é diversa na sua própria diversidade, pois é composta pelo masculino e feminino nas variadas formas de identificação sexual. Gays e lésbicas assumem o sexo biológico, porém travestis e transexuais se identificam como pertencentes ao sexo oposto, por isso não se consideram homossexuais de fato e se utilizam de nomes sociais. Os bissexuais, por sua vez, podem estar inseridos nos dois grupos.

Grupos de Resistência

Visando à garantia de seus direitos, ao combate da homofobia e ao auxílio na busca de uma cidadania efetiva, a comunidade LGBTT criou vários grupos de resistência para dar voz e visibilidade ao movimento(Saiba mais sobre a Parada Gay no box abaixo).
“Tudo tem que ser no grito, não adianta mais só o diálogo”, conta Paula Costa travesti membro do Grupo de Resistência Flor de Mandacaru, de Caucaia. “Todo mundo unido grita junto, mas se eu gritar sozinha ninguém me ouve”, afirma ela sobre a importância dos grupos.
Tais grupos objetivam politizar a causa homoafetiva e amparar seus membros, dando apoio jurídico, psicológico e profissional.

  • SIGLA

Após a popularização, o movimento homossexual passou a ser conhecido como GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes), mas atualmente a sigla mudou para LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgêneros). A alteração da nomenclatura do movimento se deve ao reconhecimento do movimento feminista e à necessidade de englobar as outras identidades sexuais, uma vez que travestis e transexuais não se identificam com o sexo biológico e o termo homossexual se refere somente ao gay homem.

  • PROJETO DE LEI DA CÂMARA (PLC) 122/2006

Criado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais (ABGLTT), o PLC 122 deverá ser uma emenda à Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, definindo crime a discriminação ou preconceito de gênero, sexo, orientação sexual e identidade de gênero. As penas para quem for acusado de tais crimes variam de um a cinco anos de reclusão podendo haver ou não pagamento de multa.

  • PARADA GAY

No dia 26 de junho, aconteceu em Fortaleza a XII Parada pela diversidade sexual do Ceará. Organizada pelo Grab, a “Parada Gay” visa divulgar para a sociedade a luta pelos direitos LGBT. Este ano a bandeira a ser levantada foi a aprovação do PLC 122/2006.


"Você pode não concordar, até mesmo não aceitar, mas vai me respeitar como eu sou"

F. C. B. tem 19 anos e é homossexual. As dificuldades da descoberta e da aceitação foram alguns dos obstáculos que o jovem encarou para assumir, na adolescência, aquilo que já percebia desde criança. Nesta entrevista ele conta importantes fatos de sua vida nesse processo de aceitação pessoal, como o episódio em que foi ‘exorcizado’. Ele também expõe seu ponto de vista acerca de temas polêmicos, como o preconceito, religião e políticas de repressão à homofobia.

Qual sua orientação sexual?
Não é nem “orientação” nem “opção". O certo é “condição sexual”. Por que não opção? Porque opção remete à possibilidade de escolha entre duas ou mais coisas, o que não acontece com nós gays. Também não se deve usar o termo orientação, porque, como diz a própria palavra, significa que você foi orientado a ser gay, o que também não é o caso. Condição é algo ao qual você está sujeito e não pode alternar ou mudar, é algo que você é.

Como você se descobriu gay?
Desde cedo. Me lembro que eu tinha por volta de cinco anos quando percebi que era diferente. Minha cabeça ficava confusa. Eu não me via como menino, mas sim como menina. Eu era um garoto, mas não entendia ao certo o que eu era, essa é a verdade. Não é à toa que eu sempre tive mais amizades femininas que masculinas. Sempre foi mais fácil lidar com garotas, afinal, meus modos de pensar e agir se assemelhavam aos delas, e só facilitava nosso entrosamento. Com os meninos eu era muito tenso, porque eu acabava me sentindo atraído por eles, e isso piorava a situação. Assim foi até eu entrar na adolescência e buscar me entender, saber o que eu de fato era, e por que eu era assim.

Há quanto tempo você se assumiu gay?
Vai completar três anos agora em outubro. Tudo aconteceu meio que por um acaso: naquela época eu não era assumido, pouquíssimas pessoas sabiam de mim e eu sempre fazia o possível pra esconder e disfarçar a minha real condição. Mas eu tinha uma amiga a quem eu confidenciava minhas intimidades, seguro de que ninguém nunca saberia o que eu dizia a ela, mas me enganei. Em um sábado, eu fui à Praça Portugal com um “ficante” e um amigo pela primeira vez e, por coincidência do destino, minha tia passou por lá, e me avistar sentado no gramado da praça em meio a tantas outras pessoas... Ela telefonou para a minha mãe, que prontamente foi lá me buscar. Para ela eu havia dito que sairia com minha amiga e que iríamos para o cinema, e ela acabou vendo justamente o contrário. A partir daí, as dúvidas que ela tinha sobre a minha sexualidade se tornaram ainda maiores.
No dia 13 de outubro de 2008, ela foi visitar minha amiga com minha avó paterna e meu pai, e pondo minha amiga “contra a parede”, ela revelou tudo. Exatamente tudo o que eu lhe confiava em segredo absoluto. Com a constatação do que de fato eu era, meus pais e minha avó voltaram para minha casa, me chamaram para uma conversa séria e então me revelaram que já sabiam de tudo, e que me aceitavam como eu era, independente disso ou daquilo. Eu não fico com raiva dessa minha amiga, porque acabou que ela me fez um favor. Se fosse para eu me assumir, provavelmente eu não conseguiria. É muito díficil, doloroso e sofrido assumir ser algo que vai contra todos os padrões da sociedade, ainda mais para seus pais que sempre te criaram e vislumbraram um futuro onde você se casaria, daria a eles muitos netos e tudo mais que manda o figurino.
Se fosse para eu me assumir, provavelmente eu não conseguiria. É muito díficil, doloroso e sofrido assumir ser algo que vai contra todos os padrões da sociedade

Você já tentou estabelecer relações com o sexo oposto?
Sim. Todo gay, quando passa pela fase da não-aceitação, tenta a todo custo se envolver com mulheres pra ver se na base da pressão se tornam héteros, mas é tudo em vão. Eu mesmo tentava várias e várias vezes, mas é impossível um gay se relacionar com uma mulher de forma afetiva e sexual.

Qual foi a reação de sua família diante da sua condição sexual?
No dia em que minha amiga revelou tudo sobre mim, a princípio correu tudo bem. Isso é um certo eufemismo, afinal, seus pais terem certeza de que você é gay não é uma coisa muito fácil. Minha mãe, católica fervorosa como é, resolveu ir à Igreja pedir aconselhamento espiritual aos padres. Um deles disse que eu estava com o demônio, que tinha de ser exorcizado ou então minha alma iria para o inferno, que lá na igreja havia um grupo de apoio formado por psicológos que “recuperavam” e “curavam” jovens gays que estavam na vida “pecaminosa”.
Minha mãe, ludibriada pelas palavras insanas daquele padre, mandou meu pai me buscar no colégio e me levar até a igreja para que eu me confessasse com o padre. Eu fui a contragosto, mas fui. Assim que entrei na sala, o padre que supostamente libertaria minha alma de todo o pecado veio com uma história absurda de fazer um exorcismo em mim. Colocou a Bíblia na minha frente, pediu para eu ler uns salmos e, colocando uma cruz bem à minha frente, começou a disparar palavras de ódio e repulsa aos gays, sempre associando-nos ao Diabo e companhia. Vendo que não surtia efeito evocar o nome de Deus para me curar da minha suposta “doença”, ele insistia para que eu frequentasse as reuinões de cura e libertação para gays que ocorriam na igreja. Não aguentando mais aquele absurdo, me revoltei, disse poucas e boas ao padre, fiz um escândalo e sai ouvindo RBD nas alturas. Me lembro como se fosse hoje a cara que as pessoas faziam quando o padre gritava enloquecidamente que eu estava possuido pelo mal e que deviam me parar.
Depois disso tudo, meus pais não resolveram mais tentar intervir na minha vida privada. Minha família sempre foi muito mente aberta, apesar de também ter o seu lado conservador. Minha mãe, principalmente, buscou entender mais sobre esse universo gay que está tão presente na sociedade, mas que as pessoas insistem em abafar, como se fosse nada. E, a partir disso, ela passou cada vez mais a aceitar e entender que ser gay não é nada demais. Hoje isso não é tabu em casa, pelo contrário! Tem gente que insiste em dizer que a pessoa se torna gay ou aprende a ser gay por maus exemplos ou por má educação, e isso é uma mentira! Sempre tive uma boa estrutura familiar e uma boa educação. Eu e meu irmão tivemos a mesma criação e somos diferentes. Eu sou gay, e ele hétero. E não é por ele ter um irmão gay que ele vai ser ou querer ser também. Pelo contrário: ele foi educado justamente a não ter preconceitos.

Me lembro como se fosse hoje a cara que as pessoas faziam quando o padre gritava enloquecidamente que eu estava possuido pelo mal e que deviam me parar.

Como foi a aceitação pelos amigos e pelos grupos sociais que voce participa/participava?
Sempre tem alguém que quando ouve da sua boca que você é gay, se afasta como se você tivesse alguma doença contagiosa, o que é uma pena. Mas eu sempre fui adepto da frase: eu só quero que esteja comigo quem realmente quer estar comigo. Ou seja, se não me aceita com eu sou, ok, passar bem. Todos meus amigos sabem sobre mim e me respeitam numa boa. Aliás, tenho muitos amigos também gays, e muitos héteros, e todos convivem bem.

Tem gente que insiste em dizer que a pessoa se torna gay ou aprende a ser gay por maus exemplos ou por má educação, e isso é uma mentira!

Você sofre muito preconceito?
Sim e não. As pessoas com quem eu convivo sabem sobre mim, os lugares onde eu frequento são bem desencanados com essa questão, então, quanto a isso, é tranquilo, mas na época da escola eu era perseguido por ser diferente dos outros meninos. Sofri bullying. Era frequentemente alvo de chacotas dos meninos, e o pior é que eu me sentia culpado e único responsável pelo que faziam comigo. Demourou pra eu tomar coragem e enfrentar, bater de frente com aqueles que me perseguiam e ver que eu não tinha culpa daquilo que acontecia comigo, que eu não passava de um inocente que era torturado psicologicamente todos os dias por ser gay.
A verdade é que a sociedade é, sim, muito preconceituosa, sempre tem alguém que vira a cara e olha com um certo ar de nojo. E não é só preconceituosa, é muito hipócrita também. Porque existe aquela mentalidade de que gays são uma mísera minoria, e não é bem por aí.

O que você acha das atuais atitudes do governo com relação à discussão do kit anti-homofobia, PLC 122 e união estável gay?
A união estável entre pessoas do mesmo sexo nada mais é do que o reconhecimento legal de que aquelas duas pessoas estão juntas. É algo muito banal, mas que demorou tanto pra acontecer aqui.
O kit anti-homofobia foi uma excelente ideia que o MEC teve para combater, como o próprio nome diz, a homofobia. Mas é uma pena que a presidenta Dilma não tenha permitido a distribuição, por pressão da bancada religiosa no Congresso. Os vídeos não têm nada demais, só mostram a realidade como ela é: alunos héteros convivendo com alunos gays. Não há nada de apologia ou forma de impor que crianças se tornem homossexuais como disse o deputado Jair Bolsonaro, um homem que, além de pré-histórico, é digno de pena. Primeiramente porque o kit seria distribuido apenas ao Ensino Médio, onde a faixa etária é de 14 a 18 anos, ou seja, pessoas com total consciência de sua sexualidade. Portanto, crianças não veriam esses vídeos.
Eu sou totalmente a favor do PLC 122. Pois, com ele, os atos homofóbicos passaram a ser crimes passíveis de punição. E os crimes cometidos contra os gays vão diminuir drasticamente. Ano passado, eu estava na Praça Portugal e presenciei um ataque a gays. Foi uma das piores coisas da minha vida. Já passava das 22h e quase não havia mais ninguém lá. Eu, dois amigos também gays e uma amiga que estava ficando com um paulista que estava acompanhado de seu primo estávamos sentados. À nossa frente, havia um casal de dois garotos, um no colo do outro, que se beijavam. No lado oposto, quatro garotas conversavam.
Um gol branco, quatro portas, parou ali perto e de dentro do carro desceram quatro homens aparentando ter entre 20 e 25 anos, todos bem apanhados, brancos, bem fortes, altos, de olhos azuis e um com olhos verdes. Este último foi em direção ao casal que se beijava e com um chute, acertou os garotos na boca. Pelo impacto do chute, eles cairam no chão, quando foram cercados pelos outros três que começaram a desferir vários golpes, chutes e murros com toda a ferocidade do mundo. As meninas gritavam desesperadas. Eu e meus amigos ficamos em estado de choque, afinal, aquilo era surreal, coisa que só acontece em São Paulo e olhe lá. Foi quando eu prestei atenção no que aqueles homens falavam, e me dei conta do que de fato estava acontecendo. Enquanto eles espancavam os garotos da forma mais covarde do mundo, diziam que tinham que exterminar essa “raça nojenta de vermes que sujavam as cidades”, que “lugar de viado era debaixo de sete-palmos da terra, fazendo companhia ao Diabo”, que todos os gays tinham que morrer, porque eram a “escória da sociedade” etc.
Por sorte, um dos taxistas que ali trabalham apareceu gritando que tinha chamado a polícia para deter aqueles covardes e eles, acoados, fugiram, jurando que acabariam com todos os gays daquela praça. Eu fiquei desnorteado depois de ver aquela barbaridade, aquele show de intolerância. Afinal, se fosse eu que estivesse me beijando com outro garoto ali, seria eu a cair no chão e apanhar cruelmente.

A verdade é que a sociedade é, sim, muito preconceituosa, sempre tem alguém que vira a cara e olha com um certo ar de nojo. E não é só preconceituosa, é muito hipócrita também.

O que pode ser feito para mudar a postura da sociedade?
A primeira coisa é separar Estado de religião, torná-lo laico. Pois aqui o nosso País é tudo, menos laico. E aqueles ligados à religião que formam uma grande parte da bancada de deputados, senadores e companhia, são extremamente radicais quanto à questão sexual. São intolerantes, e muitas vezes orgulhosos dessa postura. O que é bastante curioso, pois se virmos o caso de países densvolvidos como Holanda, Suécia, Bélgica, Suíça etc, onde a questão sexual é o que menos importa, você verá que lá a grande parte da sociedade é protestante, mas não são tão frívolos como os daqui. Lá as pessoas são respeitadas, independente de com quem vão pra cama. E é isso o que mais devia ser trabalhado aqui: a questão do respeito. Você pode não concordar, até mesmo não aceitar, mas vai me respeitar como eu sou, porque eu sou um cidadão assim como você e mereço ser tratado com dignidade e decência.
E, pra encerrar, eu deixo uma consideração final: Tem que ser muito macho pra ser gay. Porque vencer o preconceito, a discriminação e a intolerância todos os dias não é pra qualquer um, são poucos os que conseguem e que têm coragem pra enfrentar isso.